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  • Glauco Saldanha

Sobre arrependimentos e doce de abóbora


Você é capaz de lembrar a última vez que fez algo que gosta muito de fazer e não o faz mais por inúmeros motivos bobos? Falo de coisas simples como dançar na chuva sem se preocupar com o que está molhando, com o possível resfriado de amanhã, com o que as pessoas vão pensar ao te verem fazer isso ou com o que é certo ou errado? Coisas simples como andar descalço sem medo de pegar algum verme porque alguém disse que poderia acontecer, sem se preocupar se está se sujando, sem pensar se é elegante ou não depois de uma certa idade estar descalço ou se seus pais gritariam com você para que se calçasse logo? Que tal a última vez que deixou de comer sua comida preferida por medo daquele quilinho a mais? Que tal seu doce predileto, como um simples doce de abóbora?


Essa é uma pequena história sobre dona Maria, uma senhora de 91 anos, nascida no interior de Minas Gerais. Viveu uma vida triste como a de muitas outras Marias por aí. Ela tinha uma paixão que lhe tomou conta desde novinha, e quando falo paixão eu não me refiro aos rapazes de sua pacata cidade, mas sim ao seu saudoso doce de abóbora. Esse era o seu verdadeiro ponto fraco. Cresceu cercada de fantasmas e vivia regrando seu peso desde moça por conta dos comentários das pessoas de onde morava, a família carregava a diabetes no sangue, isso não garantia que ela também a carregaria. Casou-se com um rapaz de família renomada da região, Roberto era seu nome, e ele trazia consigo muitas responsabilidades. O medo de perde-lo e as críticas que Roberto fazia ao corpo dela foram outros motivos que a fez abandonar sua paixão. Viveu assim, ano após ano se controlando para agradar a tudo e todos, menos a si mesma.


Aos 91 anos, deitada em um leito em uma ala para casos terminais, Maria já não sentia o gosto de nada, demorava minutos para formular uma frase. Sua destreza já havia sido levada pelo tempo. Em sua companhia, papeando demoradamente entre as doses de morfina que lhe eram aplicadas, questionei dona Maria sobre seus arrependimentos e sem pestanejar ela logo balbuciou: “- Eu queria mesmo era ter comido mais doce de abóbora! ” De que vale viver a vida sem os pequenos prazeres? É claro que sabemos que tudo pede o equilíbrio, não precisamos mergulhar em uma piscina de doce, mas sim nos permitirmos um pouco mais com o tempo. Não tem logica a vida vivida sem o que a gente realmente gosta.


Um arrependimento simples como esse, comer mais doce de abóbora, foi o que pontuou aquela senhora em seu leito de morte. Dona Maria faleceu exatos 3 dias depois daquele encontro, ela não tinha diabetes e foi a luta contra o câncer que a levou. Roberto, seu marido, morreu aos 82 de um AVC logo após um derrame. A irmã de Maria, Laura, faleceu aos 26 em um acidente de automóvel, essa sim era diabética.


A vida é realmente assim, uma caixinha de surpresas. Se tem uma coisa que eu aprendi naquele dia é que vale a pena comer quantos doces de abóbora eu puder.


E você? Se arrepende de alguma coisa? Conta pra gente aqui nos comentários.


 

Esse texto foi escrito por Glauco Saldanha com a colaboração carinhosa de sua amiga Mariana Bronzato.

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